1.4.21

não há aviões. o céu brilha como nunca.


fotos de meiomaio

 

nunca tinha visto um céu de um azul tão profundo e umas nuvens tão brilhantes como daquela vez.
talvez fosse pela altitude a que aquela cidade está plantada.
ou pelos aviões que deixaram de voar.
e, apesar de estar a um oceano de distância de casa naquele momento tão estranho, havia sempre alguma coisa de fascinante de cada vez que olhava para o céu.
 
Março, 2020
Quito, Ecuador

18.11.20

o milho entre os vulcões

O condutor do autocarro deixou-nos no meio da panamericana. Ainda varridos pela velocidade dos carros que passavam e sem saber muito bem para onde ir, um simpático casal diz-nos “No se preocupen, todo aquí es muy seguro”.
O caminho era de umas casas cinzentas salpicadas numa paisagem de campo verde e rodeada de imponentes vulcões com nuvens agarradas ao topo que quase nunca os deixavam ver por completo. Contam as lendas que a mãe Cotacachi é o vulcão protector do feminino e o pai Imbambura o do masculino e que são eternos apaixonados um pelo outro.
A casa que nos acolheu naqueles dias estava mesmo no meio destes dois gigantes. Uma pequena casinha de barro à qual se chegava por um caminho de terra rodeado de eucaliptos e campos de milho. E foram dias de plena tranquilidade, provavelmente os dias de maior paz de toda a viagem e onde nos sentimos mais em casa.
A calma do campo, as animais, o sol, o frio e a chuva, a presença dos vulcões e a paz que nos transmitiam as senhoras que moravam ali.
À noite era observá-la na sua rotina de cada dia (e a calma e a presença com que fazia tudo). Como acendia o fogo e lentamente ia preparando a sua sopa de farinha de milho da sua colheita. E como pouco a pouco o cheiro a lenha e a paz que ela transmitia iam preenchendo todo aquele lugar. Era simplesmente observá-la em silêncio. Ou ajudá-la a debulhar o milho.
E era tanto.
E observar a fortaleza de como caminhavam descalças sobre o chão frio e molhado da chuva da manhã. E pareciam duras por dentro também. Mas com o passar dos dias íamos ganhando a sua confiança e pouco a pouco iam revelando o seu lado mais doce.
E a Marina. A filha solteira que falava sempre alegremente connosco e que durante a tarde bordava minuciosamente umas faixas de flores em tons rosados; sentada à porta de casa com um gatinho no colo que procurava o seu calor.











fotos de meiomaio



Laguna de Cuicocha e Ilumán, Ecuador

5.11.20

um paraíso natural e um inferno humano





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Colombia.
É difícil de explicar.
País de contrastes. Tão brutais que custa a que tudo isto faça sentido.
A violência, a desconfiança e o extremo desejo de paz e perdão.
As povoações mais miseráveis, tristes (as dos negros) e as mais bonitas, cuidadas, coloridas e tranquilas (as dos brancos).
Os que morrem pouco a pouco pelas ruas, tingidos pelo fumo negro dos carros e os dos resorts de luxo totalmente fechados como numa prisão mas com helicóptero particular.
Aqueles que, sem ter para onde ir, só podem andar à deriva pelas estradas pedindo que alguém os leve (e nem sabem para onde) e os viajantes que só podem andar em rotas turísticas muito concretas.
Os que andam rotos e os vestidos de mil folhos e tules que se exibem nas montras cheios de um brilho falso e artificial.
Os pobres que não podem sair do seu bairro de pobres.
Os ricos que não podem sair do seu bairro de ricos.
O medo a ser roubados.
O medo não ter que comer.
Um paraíso natural e um inferno humano.
O medo, a desconfiança e a abertura, a simpatia e a amabilidade.
Os ambientes mais hostis e as pessoas mais tristes, que se vêm nas estradas, de passagem, de dentro dos autocarros onde se ouve música alegre de festa e celebração.
A cor do tropical e as almas pardas.
O eterno verão numa eterna injustiça social.
Os brancos de um lado, os negros de outro, os indígenas de outro, e no meio todas as cores da mistura.
E dessa mistura saem as músicas mais ricas, vivas e alegres.
As frutas e as armas.


fotos de meiomaio



Colombia

26.10.20

en la ciudad de la eterna primavera

En la ciudad de la eterna primavera todo grita de una forma atroz.
En la ciudad de las flores los cadáveres humanos aparecen tumbados por las aceras, y la gente simplemente los contorna como si fueran ellos una planta que nació allí.
En la ciudad de la eterna primavera el clima es más pesado que nunca y en nada tiene que ver con la temperatura del aire.
En la ciudad de las flores las chicas indígenas están sentadas en las aceras con vestidos de colores y la mirada de un gris vacío, y venden collares de cuentas de todos los colores mientras cargan a sus hijos sucios del negro ciudad. O bailan musicas alegres con una tristeza en el alma de quien ya no tiene nada, de cuando, arrancadas de su propia tierra, ya todo perdió el sentido.
En la ciudad de la eterna primavera todo es ruido, todo es estímulo, todo es contaminación y tensión y la decadencia humana aparece sin vergüenzas por todos lados. Y la memoria. La memoria pesa.
En la ciudad de las flores no hay horizonte.
Y los pájaros son esculturas de bronze rotas. Por quince quilos de dinamita.



fotos de meiomaio




Medellín, Colombia

17.10.20

o vale encantado






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O ambiente ali era de encantamento.
Talvez pelas nuvens que dançam por entre os montes carregados de verde denso e que de forma sedutora nunca nos revelam aquela paisagem por completo. E pelo jogo de claro escuro e de relevos em constante movimento que criam uma aura de mistério e magia.
Depois a mistura inesperada de um bosque de clima temperado frio e das maiores palmeiras que alguma vez vi. E mais uma vez os contrastes tão presentes neste país.
Os Andes. E tantas caras que pode ter esta imponente cordilheira. Desde as escarpas inóspitas e duras que me aterram a estes montes e vales cobertos de um verde que aconchega e que me faz sentir num sonho.
Esta cordilheira é muito, muito mais do que aquilo que eu posso ver ou sentir (ou se quer imaginar). É de uma grandiosidade que nunca poderei alcançar.
Será que o condor que sobrevoa estes vales pode chegar a senti-la?

fotos de meiomaio



Valle del Cocora, Quindío, Colombia

19.9.20

os azulejos aqui são uns passarinhos azuis celeste








fotos de meiomaio

 

"Os azulejos aqui são uns passarinhos azuis celeste.

As pêras e as maçãs são as mangas e as bananas e o trigo é o milho e o plátano verde.
O bom tempo aqui chama-se ao clima mais fresco e o verão e o inverno são noções que variam de região para região.
Aqui a maioria da população vive longe do mar, a maioria estão nas montanhas do interior. E a grande parte da costa não se pode chegar.
Aqui as distâncias não se conseguem ver no mapa, dependem muito mais da dificuldade para passar as montanhas que as separam, ou as selvas, ou os rios.
As gaivotas que aí estão presentes nos céus, aqui são águias e abutres que planam em círculos por entre as montanhas.
O sol aqui nasce sempre às 6h e põe-se sempre às 18h, todo o ano.
Aqui a noção de país é algo muito mais variante, com realidades tão diferentes dependendo da região, cidade, aldeia.
Aqui a imensidão de natureza sem fim é equivalente ao sem fim de estradas e povoações que recortam a paisagem daí.
Aqui a marca do ser humano ainda não chegou a todo o lado, ainda não invadiu todo o território.
Aqui existe o conceito de selva primária, ou bosque primário.
Aqui a polícia que patrulha as ruas são militares com armas de guerra.
Aqui não posso ir a todo o lado, muito do território é inalcançável, ou pelo selvagem da natureza ou pelo lado mais selvagem do ser humano.
Aqui os sumos, os gelados são de fruta de verdade e ainda se faz iogurte e doce de leite com leite puro, sem pasteurizar.
E ao mesmo tempo aqui as cadeias de fast food ainda provocam fascínio.
As plantas que aí só se vêm em vasos, aqui crescem frondosas à beira das estradas, dos caminhos, por todos os lados.

E há passarinhos de todas as cores."

Jardín, Colombia

19.8.20

Salento

“Los abuelitos de este pueblo me transmiten mucha ternura. O quizás sea todo en este pueblo y ellos son el reflejo de eso.
Me acuerdo particularmente de ese señor que iba caminando por las calles vendiendo unas flores amarillas frondosas y las llevaba así en la mano con orgullo.
Será de eso o de los perros pachorras que siempre duermen relajados en las aceras como si todo les pudiera pasar por encima que nada les quitará su paz.
O de los gatitos que aparecen simpáticos de todos lados y que vienen confiados a saludarnos con su ronroneo entre nuestras piernas.
O simplemente de lo bonitas que son las casas pintadas de todos los colores; o de las flores que las adornan.
O de todos los tonos de verde que envuelven este pueblo.
Y la temperatura que no llega a ser demasiado fría ni demasiado caliente.
Y la lluvia que viene de golpe, como ahora, y tan rápido se va como vino y pronto vuelve el sol, y las nubes magicas, y los arco iris.
O de los pájaros de varios colores que van apareciendo entre las ramas (o el grande condor en el valle).
O de la musica melodramática que nos lleva a otros tiempos, que se va escuchando aquí y allá, pero principalmente la que viene de ese bar mítico donde hombres se reúnen jugando cartas y snoker, o simplemente se sientan en su silla de todos los días y ven la vida pasar (la magica decadencia del confort de las rutinas). Y todo allí quedó parado en el tiempo.
O los señores que tocaban las guitarras y cantaban en el mirador, con la pasión de la juventud pero la opacidad de la vejez.
Y los sombreros y los ponchos.
El aire del campo.
Y los caballos que se escuchan pasar de tiempo en tiempo y que su sonido casi se confunde con el de una lluvia fuerte.
El olor a tierra mojada.

Los montes que desaparecen en el medio de la niebla. Las nubes que tocan la tierra.


La tierra y el cielo tan cerca.

El cambio constante.


Y la luna roja que se bajaba sobre los montes y que se avistaba desde la ventana.”











fotos de meiomaio


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Salento, Colombia

11.6.20

um rosa salmão, ligeiramente alaranjado

foto de meiomaio


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"E enquanto caminho sobre a areia molhada um sem fim de bolinhas de um rosa salmão, ligeiramente alaranjado, rebentam debaixo dos meus pés.
A mesma cor que pouco a pouco vai pintando as nuvens e o céu que se encosta no horizonte. É uma cor doce, suave, amena, que não chega a ser quente mas que aconchega. Tal como a temperatura deste mar e desta brisa.
Talvez tudo aqui, no fundo, seja feito dessa cor."

Daquelas paragens fiquei sem as imagens. As da máquina.
Que as da alma se mantenham sempre com as cores bem presentes.

Ayampe, Ecuador

5.6.20

nos mercados






fotos de meiomaio



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As cores. Das frutas, muitas desconhecidas para nós. Dos letreiros, das paredes, dos sumos, dos pratos, das músicas alegres.

Os cheiros. Aqueles quentes e húmidos que vinham das panelas que cozinhavam desde bem cedo. De carne crua, de peixe, os pesados das frituras e os frescos das frutas. E aqueles verdes, que vinham das bancas das ervas medicinais.

Os sabores. O sabor fresco doce das frutas, o sabor quente e massudo do platano verde e o sabor fresco e salgado do peixe e marisco, regado num caldo de tomate, yuca e cebola e polvilhado com a magia fresca e aromática dos coentros, tudo isto num prato de encebollado de pescado e gambas, às nove da manhã.

Quito e Baños de Agua Santa, Ecuador e Cali, Colombia

18.11.19

o fim da terra




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"O vazio e o cheio ao mesmo tempo. A imensidão. O tudo e o nada. Tanto que se vê que se perde de vista. Tanto azul.
O silêncio e o som das ondas e do vento. O que se vê e o tanto mais que não se vê. A calma. A profundidade. A superfície.
Ar, água e terra. A solidão. A introspecção. Tanto e tão pouco. Quando tudo se une.
(...)
Fecho os olhos, respiro fundo e quero levar comigo todo este azul."

Finisterra, Galiza